Conheça os bunkers da Segunda Guerra Mundial que guardam a maior coleção de peixes preservados do mundo.
Escondidos em uma curva do rio Mississipi, ao sul de Nova Orleans, ficam cerca de 28 bunkers de concreto em uma rede estradas de terra e grama. Alguns guardam vestígios do passado – máscaras de gás de 40 anos e placas de “risco biológico” ainda penduradas na parede.
A maioria deles está abandonado há décadas. Mas dentro de dois desses bunkers, cerca de 15 milhões de olhos de peixe olham para as paredes através do vidro de seus potes. Esta é a Royal D. Suttkus Fish Collection, a maior coleção de peixes preservados do mundo, e quase ninguém sabe que ela existe.
Na Type Room, o Dr. Henry Bart – curador da coleção e diretor do Tulane Biodiversity Research Institute (TUBRI, que abriga a coleção) – mostra os peixes raros.
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É uma sala pequena, talvez do tamanho de um carro, mas é a sala mais importante da instituição, porque é onde ficam os holótipos e parátipos. “Esses são os espécimes mais importantes porque carregam os nomes, então, se houver alguma dúvida sobre o que é uma espécie, é isso que você consulta”, diz Bart.
O Dr. Bart ainda mostra algumas outras espécies como o tubarão de bolso, um pequeno tubarão marinho de águas profundas encontrado apenas alguns anos atrás no Golfo do México – apenas o segundo que existe no mundo. Um Harelip sucker (Moxostoma lacerum) capturado em 1893. Está extinto desde aquele ano. As nadadeiras da cauda se desgastaram tanto que é possível ver seu cérebro. O espécime mais antigo da coleção é um peixinho brilhante coletado na Itália em 1838.
Enquanto Bart pega os potes com os peixes, os nomes das espécies rolam de sua língua como se ele tivesse crescido fluente em latim. “Mantemos esses espécimes aqui porque estamos tentando protegê-los do fogo… Temos que manter muitas proteções no local”, diz ele.
Cercados por blocos de concreto…
Estamos cercados por blocos de concreto – uma abóbada fortificada em um mausoléu camuflado à prova de furacões, tornados e bombas. Na sala principal, no final do corredor, fileiras e mais fileiras de prateleiras verde-mar contém mais de sete milhões de outros peixes.
Há mais de 260 anos, esse pântano foi o local de um forte militar francês, americano e espanhol, após o qual foi considerada uma plantação e, posteriormente, uma vila de libertos. Os bunkers foram construídos durante a Segunda Guerra Mundial para a Marinha manter a artilharia dos navios de guerra e, então, durante a Guerra Fria, a CIA usou a propriedade como centro de treinamento.
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Quando a Guerra Fria acabou, o governo não tinha mais interesse em usar a propriedade, então eles a alugaram para a universidade de Tulane por $1. No início, Tulane usou vários bunkers para pesquisas médicas e outras coleções de história natural, mas agora apenas os peixes permanecem.
A coleção de peixes Royal D. Suttkus foi fundada em 1950 quando o lendário ictiólogo Royal D. Suttkus, que participou da coleta de mais de 5 milhões de peixes coleção, se juntou ao corpo docente em Tulane. A coleção ficava originalmente no campus principal da universidade, mas em 1968, ela cresceu tanto que foi transferida para seu atual abrigo em Belle Chasse, Louisiana. Antes de Suttkus se aposentar de seu cargo de diretor, ele pediu a Bart, que se ofereceu para ele como aluno, se candidatar ao cargo de diretor. Bart é um dos quatrocentos ou quinhentos ictiologistas que trabalham no país.
A coleção de peixes nos bunkers da Segunda Guerra é o paraíso dos ictiologistas
Hoje a coleção possui cerca de 204.291 lotes (ou recipientes das mesmas espécies que foram coletadas juntas) contendo entre sete e oito milhões de espécimes, a maioria de água doce da Costa do Golfo dos Estados Unidos. Portanto, no mundo da ictiologia, a Coleção Suttkus é um recurso vital. A cada ano, Bart e sua equipe enviam centenas de peixes preservados para ictiologistas em todo o mundo, e os cientistas viajam para Nova Orleans para pesquisar os peixes maiores pessoalmente.
Os pesquisadores examinam as relações entre as espécies e acabam descobrindo novas evidências, assim como aprendendo sobre as partes mais profundas do oceano e os efeitos do aquecimento global. “Essencialmente, somos os detentores da história”, explica Justin Mann, o gerente de coleções.
A Suttkus Collection têm a sorte de receber apoio de Tulane, mas as restrições orçamentárias da universidade, além da diminuição do financiamento do governo, acabou se mostrando um grande desafio. Um dos principais objetivos de Bart é levantar dinheiro suficiente para criar uma posição dotada de fontes confiáveis de financiamento, mas encontrar doadores tem sido uma tarefa difícil, pois poucas pessoas ouviram falar da coleção.
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Como a propriedade não recebe visitantes por conta da estrutura do local, eles não têm capacidade para abrir ao público e, portanto, permanecem em segredo não intencional fora da bolha ictiológica.
Mas Mann está tentando mudar isso. Recentemente, ele começou a criar projetos de divulgação para mostrar que a coleção existe, que é importante e que precisa do apoio do público. A situação é ainda mais precária por causa da propriedade. A própria terra é uma reserva não oficial de vida selvagem e um local de tesouros arqueológicos esperando para serem descobertos.
Jonathan Walczak é um jornalista investigativo e arquivista contratado pelo TUBRI para coletar e juntar notas do Royal D. Suttkus que foram danificadas ou perdidas durante o furacão Katrina. “Eu nem sei como descrever de forma rápida o que faço, então só digo brincando que trabalho em um bunker no pântano com 8 milhões de peixes mortos. O que é preciso.”, ele diz. A propriedade é o que mais o fascina.
“É um lugar muito tranquilo”, diz ele. “Estou provavelmente a 15 – 20 minutos da minha casa agora, mas também no meio do nada”.
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A propriedade se estende por 360 hectares com três estradas de terra. Dos 29 bunkers, dois abrigam a coleção Suttkus, e um possui os novos espécimes ainda sendo selecionados da coleção ULM. O resto dos bunkers são fontes de mistério e boatos.
Depois de estudar documentos antigos, por exemplo, ele descobriu que a CIA usou secretamente a propriedade durante o início dos anos 1960 para dissidentes cubanos que treinavam demolição subaquática (entre outras coisas) para a invasão da Baía dos Porcos, informação que ainda não está bem documentada. Cada pedaço da propriedade é rica em história e está esperando para ser descoberta.
“Por um lado, queremos que o maior número possível de pessoas saiba disso, porque é um lugar especial”, diz Walczak. “Por outro lado, você se preocupa um pouco com riscos de contaminação no local. Mas se ninguém souber de nós, vamos cair no esquecimento”. Recentemente, falou-se de Tulane vender a propriedade, e não está claro se a coleção Suttkus permaneceria onde está, ou o que aconteceria com a propriedade caso a coleção fosse movida para uma nova casa.
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“Eu me preocupo, principalmente porque os terrenos baldios se tornam cada vez mais escassos e o litoral se aproxima. Eu me preocupo com a possibilidade dessa terra um dia ser desenvolvida e realmente espero que não seja o caso”, diz Walczak. “As pessoas vêm e vão conforme o financiamento vai e vem. E espero que, quando eu for embora, que alguém se importe com a história”.
Por enquanto, a coleção de peixes está segura nos famosos bunkers da segunda guerra, guardando segredos ainda não descobertos sobre nossos oceanos, como fizeram por décadas. Os elementos da natureza ainda não podem machucá-los aqui – mas, infelizmente, os humanos que são o grande perigo.
Matéria original publicada em Atlasobscura.