Pela primeira vez, a Dory foi reproduzida em cativeiro. Com isso, pode haver uma redução do número de peixes da espécie que são retirados todos os anos do oceano para serem colocados em aquários.
Para o biológo Kevin Barden, os cirurgiões-patela são sua grande obsessão desde que ele tinha cinco anos de idade. Isso ocorreu quando fez uma visita ao England Aquarium, em Boston, nos Estados Unidos. De lá pra cá, agora com 29 anos, Kevin desempenha um importante papel na descoberta do método de criação em cativeiro dessa famosa espécie.
O Laboratório de Aquicultura Tropical da Universidade da Flórida, em conjunto com a Rising Tide Conservation, anunciou que cirurgiões-patela – ou Dory, como são conhecidos pelos filmes da Disney – foram reproduzidos em cativeiro pela primeira vez.
“Essa novidade pode ajudar a reduzir a superexploração da espécie e a combater diversos crimes contra a vida selvagem associados ao uso de cianeto no comércio de peixes marinhos destinados ao aquarismo”, diz o biologo Andrew Rhyne. Além disso, Andrew foi um dos vencedores do Wild Crime Tech Challenge deste ano, patrocinado pela National Geographic e outras entidades, por encontrar uma forma de monitorar o comércio de peixes marinhos destinados a aquários.
Entretanto, não se sabe quantos cirurgiões-patela são retirados dos recifes de corais todos os anos em todo o Indo-Pacífico para serem colocados em aquários marinhos. O nível de destruição anual provocado por práticas de pesca destrutivas – em especial o uso de cianeto para atordoar os peixes e facilitar sua captura – ainda são desconhecidos. Não é possível especificar, no entanto, a repercussão que o filme Procurando Dory teve nas vendas de cirurgiões-patela.
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Mistério desvendado
“Começamos a trabalhar com o cirurgião-patela em 2010”, conta Judy St. Leger, presidente da Rising Tide Conservation, organização sem fins lucrativos dedicada à conservação de recifes de coral que ajudou a financiar a pesquisa.
“A espécie foi uma das diversas identificadas como atuantes da Rising Tide como sendo especialmente apta para a aquicultura devido às preocupações relacionadas à forma como é capturada, ao potencial para bom retorno do investimento aos produtores comerciais e à dificuldade em criar uma espécie com ovos tão pequenos.”
A reprodução de peixes, como os cirurgiões-patela, é muito mais complexa do que a da maioria dos peixes de água doce. Essa é uma das principais razões pelas quais o comércio de peixes de água salgada, ao contrário dos de água doce, envolve principalmente peixes capturados na natureza.
Fazer com que os peixes desovem em cativeiro e produzam ovos é apenas o primeiro passo. Os ovos do cirurgião-patela são lançados na água, onde começam uma jornada arriscada que dura mais de um mês antes de finalmente se estabelecerem em um recife.
Descobrir como alimentar os peixes na fase larval é complicado, especialmente porque as drásticas metamorfoses que finalmente os transformam em peixes jovens requerem tipos específicos de alimento em cada estágio de desenvolvimento.
Um território desconhecido
Barden lembra que ficou animado quando chegou ao trabalho em 20 de junho deste ano. Havia centenas de larvas de cirurgiões-patela em seu aquário de criação de larvas e elas eram mais desenvolvidas do que qualquer outra que ele já vira em cativeiro.
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“Estávamos oficialmente entrando em um território desconhecido”, comenta. Ele havia iniciado com mais de 50 mil ovos cerca de 245 dias antes, mas as perdas diárias começaram a reduzir esse número drasticamente.” Foi como andar de montanha-russa, e eu não curto muito montanhas-russas”, conta ele.
Mas na manhã do dia 4 de julho, Barden olhou para o aquário e viu um grupo de cirurgiões-patela perto do fundo, o que significava que haviam se assentado. Isso foi um marco no desenvolvimento dos peixes e um bom presságio para sua sobrevivência. Pouco mais de uma semana depois, os peixes no fundo começaram a exibir alguns dos primeiros matizes de azul, tornando-se “bebês Dory” facilmente reconhecíveis até mesmo para os leigos.
O mais importante, diz Barden, é que o mistério foi resolvido. ” A verdade é que o resultado seria o mesmo, independentemente se tivéssemos um ou 10 mil peixes azuis. Isso significa que a nossa pesquisa evoluiu.”
O sucesso no estudo pode começar a mudar o cenário da pesca ilegal desses peixes, não declarada e não regulamentada. Da mesma forma que a aquicultura comercial e em grande escala do peixe cardinal-bangai (Pterapogon kauderni), outro muito famoso nos aquários marinhos, contribuiu para aumentar a espécie quase que da noite para o dia, a grande disponibilidade de cirurgiões-patela criados em cativeiro poderia transformar o comércio da espécie.
Se o mesmo acontecer com o cirurgião-patela, a pesca predatória pode acabar ou diminuir e muitos dos incentivos para pesca com o uso de cianeto podem ser eliminados. O resultado disso tudo seria cirurgiões-patela mais robustos e fáceis de manter em aquários.
*Nota: esta reportagem foi publicada originalmente em 2016.